Crônica de um Sonho

Enquanto um homem de cerca de 20 anos, e nessa idade ele é um homem, se encontra um lugar branco, não há nada, só um infinito alvo, ele não sabe onde é o limite, não sabe se há um limite, não sabe quanto tempo passou olhando para esse infinito claro, só sabe que ainda é quem é. Talvez ele nem tenha mais 20 anos, talvez ele já tenha 100 ou 200, mas sabe que é um homem. Não que seja do sexo masculino, mas que é um homo sapiens. Talvez seja uma mulher, nesse caso deveríamos falar em “ela”, certo? Mas vamos usar o “ele” mesmo, porque a língua em que se escreve nesse papel cândido usa o masculino como neutro, em sua norma culta, embora isso talvez seja machismo.

Mas de volta ao fundo branco infinito, agora ele não é mais infinito, ele é finito, e esse homem sabe disso, sabe que se decidir esticar o braço vai encostar em algo como uma parede nevada. Ele encosta.

A parede é tão suave e fina como uma folha de papel. Ele encosta nela e abre-a, como uma cortina. Ela deixa de ser folha e vira um pano. Ele abre essa cortina como a de uma janela ou sacada, nem imagina o que há por trás.

Mas atrás dela existe um mundo, um lugar que ele nunca viu e que parece bem mais finito que o infinito branco de antes. Na infinitude ele podia inventar e criar e fazer o que quisesse, aqui existem limitações, existe matéria, existe e não existe, então existe a limitação. Ou talvez isso não seja verdade, porque agora existe o mundo para inspirar, há um mundo para transformar, e antes, quando não havia, embora as possibilidades fossem infinitas nenhuma delas surgia.

Esse novo mundo possui um céu azulado, uma grama verde, uma árvore com frutos doces e saborosos, um morrinho que dá em um lago azul, transparente não muito profundo. Esse herói, que não é um herói, só uma pessoa e protagonista dessa que é sua própria história, sobe no morrinho e pula dele no lago, dentro do lago nada na água límpida, vai até o fundo e volta. Dentro é diferente, não é só estar debaixo d'água, é seguro, é uma sensação de segurança no fundo, como estar dentro de alguém e, se não fosse pelo problema da respiração, ele ficaria lá para sempre.

Ao sair da água, ele colhe alguns frutos da árvore, come-os com gosto, deita-se na grama, confortável como nunca, a sombra da árvore, com uma leve brisa refrescando e lhe secando. Nesse ponto já podemos identificar que é um homem de fato possui um pênis e vê a si mesmo como um homem.

O tempo passa, as nuvens se mexem, o sol muda de posição até que começa a se esconder. O céu fica mais escuro, surgem estrelas brilhosas no céu negro e uma lua cheia, grande e amarelada. Anoitece, uma noite que esfria um pouco mais. É agradável, aquele frio, embora meio cortante o vento e o frio forte, a sensação é agradável.

Ele pega uma muda de roupas que simplesmente estava perto da árvore desapercebida a vista. Uma calça preta com um cinto também preto, uma camiseta preta e um par de sapatos e um sobretudo, todos igualmente pretos, feitos de um material macio e muito confortável, lhe servem perfeitamente. Ele anda um pouco além do morro onde percebe que há uma cidade, ou quase uma. Há na verdade uma grande avenida bem iluminada, asfaltada com um canteiro no meio onde vê-se árvores, mas essas não dão frutos saborosos ou algo assim, só possuem folhas verdes e troncos grandes.

Ele anda por aquela avenida olhando alguns prédios que parecem recém-abandonados, em alguns as luzes ainda estão acesas, janelas abertas ou fechadas, não se poderia diferenciar aparentemente de uma avenida de qualquer cidade média ou grande. Os sons por ali são igualmente calmos, não se ouvia muito além do farfalhar das folhas e o uivo dos ventos que traziam um cheiro fresco e aliviante da noite adentro.

Ele entra em uma viela aleatória, que é mais escura do que a avenida bem iluminada, onde há uma loja de fantasias, lá ele as observa, de alguma forma as conhece. É uma loja velha, meio sem luz, as fantasias velhas eram todas familiares, todas carregadas de imagens e memórias que ele experimenta por um bom tempo, mas nenhuma o agrada de verdade e ele sai da mesma forma que entrou.

Depois entra numa segunda viela poucas quadras a frente, também menos clara que a avenida e cinzenta como a anterior, encontra outra loja de fantasias, só que essa é diferente, cheia de fantasias novas, essas não são tão saudosas quanto as outras, estão em outro estado, assim como a loja, que é bem mais elegante, bem iluminada com lâmpadas incandescentes meio amareladas, o que torna a sala também num tom amarelo aconchegante, algumas cortinas vermelhas, e pequenas decorações e lâmpadas pequenas e brancas perto dos cabides das fantasias. Ele prova diversas fantasias novamente, todas muito bonitas, parecem esperançosas e sonhadoras, aguardando um dono para vesti-las, mas ao final de provar as que sente interesse, sai da mesma forma que entrou.

De volta a avenida ele caminha pelo que parece ser uma eternidade, observa esse ambiente, esse céu noturno, que é menos visível do que quando estava perto do lago, o que é irônico, já que o mundo estava mais claro aqui do que perto do lago, onde não devia muito bem após o pôr do sol. Mas seguindo a caminhada, ele anda até achar uma porta, uma porta azul, sem nada demais nela, uma maçaneta comum, nada demais na forma, apenas uma passagem para dentro de algum lugar no meio de uma parede cinza em uma cidade meio escura, iluminada levemente apenas pelos postes. Mas era uma porta bem curiosa por algum motivo, então ele a abre para ver que o que existe dentro era nada, mais ou menos como a cena branca pela qual passou no começo dessa história, porém preta, ele entra nessa obscuridade. Quando no interior a porta se fecha e some, ele percebe que é realmente similar ao espaço alvo do início, sem fim, um breu, nada palpável à vista. Então é uma escuridão menor, que tem um fim, que está bem diante de seus olhos, quase colado neles, então é como se pequenos fachos de luz surgissem, ele abre os olhos e então está acordado.

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